giovedì 29 dicembre 2005

EPUR SI MUOVE!

Iniciei uma nova historia... adoro começar, o pior e acabar... que desça sobre mim iluminaçao suficiente para chegar ao fim! Deixo-vos o principio.


Estava habituada a rotina de todos os dias e aquela era apenas mais uma noite em que chegava a casa sozinha, depois de uma visita ao museu e de um passeio pelo parque. O taxi virou a direita, percorreu a rua ate meio e parou, como ela indicara. Entregou vinte dolares ao motorista, que nao falava ingles e saiu lentamente, como lhe permitiam os seus setenta e tres anos. Respirou fundo ao indireitar completamente o corpo e olhou para o edificio a sua frente. Gostava de ali morar. Apesar de tudo, amava Nova Iorque. Atravessou o passeio e o porteiro apressou-se a vir ajuda-la.
- Boa noite, Mrs. Campbell! – ofereceu-lhe o braço. – Como correu a sua tarde?
- Ora, Kyle... andei a passear com Laura Bush, fui ao museu com Anthony Hopkins e acabei em Chelsea a tomar um copo com o meu filho... – esboçou um sorriso e carregou no botao do elevador. – Depois de uma tarde destas, acho que preciso de estar um pouco sozinha, em paz... nao te parece? – olhou o porteiro com expectativa.
- Claro, Mrs. Campbell! Todos nos precisamos de estar sozinhos de vez em quando! – Kyle lidava com a senhora ha demasiado tempo para saber que alem dele proprio e da empregada que tinha em casa, a idosa nao tinha mais ninguem com quem conversar. Aquele era o ritual de todos os dias e Kyle ja nao o estranhava, ia busca-la diariamente a berma do passeio onde o taxi parava, fazia-lhe a pergunta habitual e deixava-a escolher a companhia desse dia ao sabor da sua desgastada imaginaçao. Depois ajudava-a a entrar no elevador e despedia-se dela com um sorriso e um aceno de mao.
- Ate amanha, Kyle... a mesma hora! – a porta fechava-se e a senhora era conduzida de volta ao seu enorme apartamento, no alto de um arranha-ceus, no centro da cidade que nao dorme.
O porteiro voltou a sua secretaria, abriu uma revista de automoveis e recostou-se na cadeira. Conhecia os horarios de todos os inquilinos do edificio, sabia que ate a proxima entrada teria tempo de folhear algumas paginas e de escolher o bolide dos seus sonhos.
Alguns pisos acima, a porta do elevador abria-se para o hall de entrada do apartamento. A senhora tirou o casaco, pousou-o numa cadeira e caminhou pela casa, ouvindo o som dos seus proprios passos, os saltos a bater no soalho, a fazer eco numa casa demasiado grande, demasiado vazia. Eram sete e meia, percorreu o corredor e entrou na cozinha. A empregada deixara no forno um jantar solitario. Habitualmente ficava em casa com a senhora, mas uma ou duas vezes por semana, Mrs Campbell dizia-lhe que fosse ao cinema, que saisse com o namorado, que aproveitasse a juventude e a cidade onde vivia. E a jovem negra de Harlem, beijava-lhe o rosto, agradecida e saia.
Voltou ao corredor e foi percorrendo a casa devagar, apreciando os quadros e as esculturas que conseguira coleccionar ao longo da vida. Um patrimonio artistico de valor esorbitante, uma colecçao de que se orgulhava e que lamentava nao poder deixar aos seus descentendes. Nunca lhe dariam o devido valor, nunca saberiam olhar para cada peça e perceber o seu significado, nunca lhes pudera contar tantas historias, das quais fizera parte como protagonista...
Entrou no quarto e como se o corpo reclamasse da travessia, aproximou-se da cama e sentou-se. Em cima da comoda duas fotografias. Uma de si propria ao lado de Ewan Campbell, o homem com quem casara por obrigaçao e outra de Collin, o filho que nao via ha mais de dez anos. Respirou fundo e fechou os olhos com força, na esperança de conseguir lembrar-se das suas feiçoes. A tarefa tornou-se dolorosa quando na sua mente viu o rosto transtornado e cheio de magoa de Collin, como o vira pela ultima vez.
Um som tenue arrancou-a dos pensamentos e fe-la abrir os olhos. Virou ligeiramente a cabeça, concentrando-se no som. Nada. Teria sido a sua imaginaçao. Levantou-se e foi abrir as torneiras, para preparar um banho antes de jantar. Subitamente as luzes apagaram-se e o som que ouvira repetiu-se. Passos. Desta vez ouviu-o nitidamente e desta vez o som nao cessou. Entrou no quarto e olhou para a porta. O vulto saira das sombras e aparecia agora, nitidamente a sua frente. O homem vestia completamente de preto, nao era alto, mas tinha os ombros largos e os maxilares contraidos.
Mrs. Campbell mantinha-se imovel, assustada, mas perfeitamente consciente de que nem sequer valia a pena tentar aproximar-se do telefone para pedir ajuda. Ele estava a uns tres metros, mas alcança-la-ia rapidamente.
- As joais estao no cofre... no escritorio, na outra ponta da casa! – disse, tentando de alguma forma apressar o que quer que estivesse para acontecer.
O homem nao se mexeu, nao manifestou nenhuma reacçao. O olhar mantinha-se gelado. E foi ai que ela percebeu. A constataçao atingiu-a como uma pancada na cabeça, sentiu as pernas tremer e ajoelhou-se aos pes do seu carrasco.
- Nao esta aqui por causa das joias, pois nao? – quis confirmar. Ele nao proferiu uma palavra, mas acenou em negaçao.
A senhora de setenta e tres anos fechou os olhos e rezou. Agradeceu a Deus o facto de aquele momento so ter chegado depois de ter vivido a maior parte da sua vida, ha muito que esperava por aquele homem, aquele que lhe tolheria a vida impiedosamente e que tentaria de todas as formas faze-la falar.
- Onde esta? – foram as unicas palavras dele.
Grazia Campbell de joelhos, a poucos segundos da morte, teve força para sorrir ao executor.
- Procura se quiseres! – ergueu o queixo e olhou no fundo dos olhos pretos, vitreos, o homem que lhe apontava a arma. A ponta do silenciador tocava-lhe a testa. Sabia que ele nao hesitaria, tinha uma missao a cumprir. Cada um tem a sua, pensou. E Grazia jurara protege-lo, ate com a propria vida. No ultimo instante, imediatamente antes de ouvir o clique do premir do gatilho, foi capaz de se lembrar do rosto do filho... no seu colo, acabado de nascer e de dizer a plenos pulmoes “Epur, si muove!”
No hall de entrada do edificio, Kyle sobressaltou-se ao ouvir a porta da rua bater com violencia. O seu coraçao acelerou e apercebeu-se de que adormecera. Pela primeira vez na sua longa carreira de porteiro da Lexington Avenue, Kyle Evans passara pelas brasas. Teriam sido apenas alguns segundos, estava certo, mas ainda assim, sentia-se terrivelmente incomodado. Foi ate a rua, tentando perceber quem deixara o edificio, mas na avenida apenas avistou o habitual movimento. Para alem de um casal de namorados que passeava de maos dadas e de um homem de casaco preto que apanhava um taxi, nada de estranho afectava a normalidade. Voltou a entrar e pegou na revista, que repousava fechada na outra ponta da secretaria.

Nessun commento: