- Amanhã o tecto ainda cá está... – derrubei uma lata de diluente com o susto. Não me virei para olhar para ele, continuei pacientemente a polir o fresco. – Talvez devesse irritá-la mais vezes, torna-se incrivelmente produtiva! – provoca.
Levantei os olhos e fixei-o. Sorriu.
- Vá para casa! – atira.
- Quando terminar!
Sentou-se na tábua ao meu lado, com os pés pendurados para fora a balançar.
- Se não parar de abanar o andaime ainda dou cabo do seu fresco! – fui agressiva o suficiente ao reforçar o pronome.
Ele soltou uma gargalhada divertida que ecou na igreja.
- Ainda não lhe passou? – pegou num dos meus pincéis e fê-lo rodopiar habilmente entre os dedos. – Você trabalha para mim, estas são as minhas regras.
Senti uma dor aguda nas costas ao pôr-me de pé. Estava ali, encolhida, há demasiado tempo.
- Eu trabalho para o Municipio! E foi a primeira e última vez que gritou comigo á frente de toda a gente, estamos entendidos?
Voltou a sorrir e trepou para o andaime do lado. Passou a mão pela pintura.
- Talvez não devesse ter gritado consigo!
- Isso é um pedido de desculpa?
- Não seja exigente! – olhou para mim. A roupa desalinhada, as madeixas de cabelo mal preso, tinta nas mãos, na cara.
Sentou-se e recomeçou a trabalhar.
- Vai ficar a olhar para mim? – perguntou. – Quatro mãos trabalham mais que duas!